sábado, 18 de junho de 2011

Alvíssaras a deplorar




Meu dileto colega Prof. Gladston Mamede transmitiu, em um dos grupos de discussão de assuntos jurídicos de que ambos participamos na internet, notícia que registra como publicada pelo jornal Valor Econômico, em sua edição do dia 20 de junho corrente, dando conta de que

"o Tribunal Regional Federal da 2ª Região, em ação movida pelo Ministério Público Federal , condenou a Oi (Telemar) por não distribuir a lista telefônica no Estado do Rio de Janeiro, de forma gratuita, para todos os clientes dispostos a recebê-la: R$ 1,5 milhão por danos morais coletivos, destinados ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos. A Oi ainda será obrigada a avisar, na fatura aos consumidores, que o cliente tem o direito de receber a lista."

O decisum, que não tive a oportunidade de examinar em primeira mão ou na sua integralidade, parece de todo modo interessante aos que tomam os problemas de responsabilidade civil como objeto de reflexão, chegando mesmo a ter ares de boa e alvissareira notícia.

Com efeito, senão digna per se de efusivos encômios, a decisão pareceria sinalizar um promissor caminho para a jurisprudência brasileira em matéria de responsabilidade civil, uma vez que deserta da odiosa política de progressivo aviltamento e virtual nulificação do dano moral no País. 

Todavia, trata-se esse de não mais que um acórdão episódico e isolado, sujeito a provável reforma, seja no mérito essencial, seja no quantum, pela instância ad quem que no caso vem a ser o pouco confiável Superior Tribunal de Justiça, sodalício altamente 'sensível' a questões sobre as quais recaem os interesses de grandes agentes econômicos como companhias telefônicas, instituições financeiras, empreiteiras e quejandos.

E ainda na improvável hipótese de que venha a subsistir, a decisão só confirma aquilo que, de modo geral, os cidadãos intuem e os grandes grupos econômicos sabem de sobejo: no Brasil quase sempre vale a pena, do ponto de vista econômico, afrontar a lei.

Pois, conforme lembra o Prof. Lucas Abreu Barroso, em lúcida manifestação no grupo de discussão a que aludi, provavelmente a confecção e a distribuição das listas telefônicas, pomo da discórdia na indigitada ação, custariam bem mais à empresa de telefonia que o pagamento da indenização a que acaba de ser condenada ainda que somada, acrescento, a eventuais sanções econômicas que tenha recebido ou venha a receber na esfera administrativa. 

Ou seja, em outras palavras: saiu barato para a Oi-Telemar.

E isso é nada surpreendente. Antes, é o que sói acontecer. 

Como sabem até as colunas que sustentam fastuosos prédios de órgãos reguladores e tribunais, os agentes econômicos podem facilmente estimar — por meio de simples contas aritméticas e nada complexos cálculos probabilísticos tanto a economia que resulta para si da causação de determinados danos a terceiros, em particular os consumidores, quanto os montantes que eventualmente pagarão a título de multas e indenizações em razão de tais danos, se e quando vierem a por eles responder. 

E os maiores facilitadores dessas danosas e funestas operações matemáticas são, em primeiro plano, o ineficiente e corrompido sistema administrativo de regulação dos mercados no Brasil e, em última análise, a conduta de nossos despreparados e não raro venais magistrados, com os indignos e estapafúrdios valores que, quando o fazem, arbitram os tribunais a título de indenização, nomeadamente nos casos de danos em massa.

À vista de uma realidade tal é que sigo a afirmar, como tenho feito sem a mais remota expectativa de vir a desdizer-me: responsabilidade civil está longe de constituir um tema levado a sério no País, pois que se limita a compor o vasto, complexo e deplorável simulacro de justiça que o Estado oferece à sociedade brasileira.








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