sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Libelo contra a chamada 'lei seca' no trânsito e sua aplicação em Minas Gerais (i)


Como em toda sexta-feira, torna à pauta a questão do acirramento ou do recrudescimento, especialmente no Estado de Minas Gerais, da intimidação fiscalização sobre motoristas em relação à chamada 'lei seca'.

A propósito disso, transcrevo a seguir nota que publiquei no velho Blog do Braga da Rocha, pouco depois da introdução das modificações a respeito no Código de Trânsito Brasileiro:

Há meses tenho manifestado reiterada e enfaticamente, em todos os muitos ambientes de discussão em que o tema se põe, minha frontal oposição às principais disposições introduzidas no Código de Trânsito Brasileiro pela Lei n. 11.705, de 2oo8, no que respeita a penalidades impostas a condutores de veículos automotores em razão do consumo de álcool.
Os bons propósitos da norma são evidentes, razão pela qual me posso considerar dispensado de explicitá-los. Todavia, os descaminhos que percorre a lei não podem se considerar justificados pelas boas intenções de que se tenham imbuído os membros do Congresso Nacional.
Primeiramente, deve-se ressaltar, no plano da política legislativa, que se trata de mais uma reação precipitada e irrefletida do legislador, movido não mais que pelo desiderato de oferecer pronta resposta aos reclamos imediatistas da coletividade e dos meios de comunicação diante a uma série de chocantes episódios, de repercussão nacional, que envolveram condutores embriagados e resultaram na trágica perda de vidas humanas, muitas das quais absolutamente inocentes nas circunstâncias.
Do ponto de vista sociológico, o chamado regime de 'tolerância zero' revela-se desde logo francamente dissonante dos costumes e da cultura nacional. E uma norma em descompasso com os usos de um povo está, quase que invariavelmente, fadada ao fracasso no plano de sua eficácia jurídica. Pergunto-me, aliás, apenas a título de ilustração, se uma tal medida teria possibilidades de vingar em países de cultura latina como, por exemplo, a Itália, em que o bom pai de família que costumeiramente ingere sua saudável taça de vinho à mesa, no almoço diário com os seus, converter-se-ia em um criminoso ao volante a caminho do trabalho.
Por derradeiro, e mais importante sob a perspectiva jurídica, o ímpeto de nosso açodado legislador atropela princípios fundamentais do Direito e do ordenamento constitucional, razão pela qual tal conjunto de normas — aliás dispensável, pois vem substituir outro que, se desde sempre aplicado com zelo, seriedade e competência pelas autoridades de trânsito, já teria trazido tão bons efeitos quanto aqueles pretendidos pela reforma — não pode sobreviver na ordem jurídica nacional.
Nesse ponto, quero aqui registrar impecável decisão proferida em habeas corpus, no último dia 23 de outubro, pelo magistrado Renato Zouain Zupo, Juiz de Direito da Comarca de Araxá, MG, na qual se desenvolve consistente argumentação — lastreada em princípios fundamentais do ordenamento jurídico e amparado em boa doutrina e boa jurisprudência —, de que destaco, no post subseqüente, os trechos que julgo de especial relevo para as discussões sobre o assunto.
Compartiho com satisfação esses excertos com meus leitores, sem deixar de reiterar os cumprimentos ao juiz Zupo, que, por meio de tal decisão, garante ao paciente o direito de não se submeter ao regime de verdadeiro arbítrio estabelecido pela novel legislação, declarando ainda, pela via incidental do controle difuso, a inconstitucionalidade do § 3º do art. 277 e do art. 306 do Código de Trânsito brasileiro, com a redação que lhe imprimiu a Lei n. 11.705, de 2oo8.
Aliás, é de magistrados desse jaez, dotados de apurada capacidade técnica, elevada sensibilidade jurídica e singular coragem para decidir na contra-corrente de deploráveis consensos estabelecidos — sobretudo em evidentes processos de manipulação da opinião pública, levada à beira da histeria coletiva pelos meios de comunicação de massa — de que necessita uma sociedade que se pretende moderna e avançada, sem descompasso, porém, com os valores de sua cultura, o ideal de justiça e os princípios fundamentais da Ciência Juridica e do Estado de Direito. E é desse perfil de julgadores que, infelizmente, a nossa segue cada vez mais carente.



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