sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Libelo contra a chamada 'lei seca' no trânsito e sua aplicação em Minas Gerais (ii)

Excertos de sentença prolatada em habeas corpus pelo magistrado Renato Zouain Zupo, Juiz de Direito da Comarca de Araxá, MG, por meio da qual reconhece ao paciente o direito de não se submeter ao regime estabelecido Lei n. 11.705, de 2oo8, no que respeita a um conjunto de disposições relativas ao consumo de álcool por condutores de veículos automotores, e declara a inconstitucionalidade do § 3º do art. 277 e do art. 306 do Código de Trânsito brasileiro, com a redação que lhe imprimiu a referida Lei n. 11.705, de 2oo8:

"A Lei 11.705/08 deu nova redação a diversos dispositivos da Lei 9.503/97, o Código de Trânsito Brasileiro (CTB). Alterou: o inciso XXIII do  art. 10, o caput do art. 165, todo o art. 276, os §§ 2º e 3º do art. 277, os §§1º e 2º, e seus respectivos incisos, do art.291, todo o art. 296 e a íntegra do art. 306.
Destes, encontram-se aqui questionados o §3º do art.277 c/c art.165 e, por via oblíqua, o polêmico art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro. Pela redação do primeiro, será punido administrativamente todo condutor que se recusar a submeter ao exame de etilômetro ou análogo, a fim de evidenciar a existência de álcool em sua corrente sanguínea, visando assim apurar a infração administrativa e penal descrita nos art.165 e 306 do CTB: dirigir sob influência de álcool ou conduzir veículo automotor com concentração de álcool no sangue igual ou inferior a seis decigramas.
Segundo os dispositivos legais em destaque, ao condutor de veículo automotor em via pública é imposta a submissão ao exame de dosagem de álcool no sangue, sob pena de: a) multa de quase mil reais; b) suspensão do direito de dirigir por 12 (doze) meses; c) retenção do veículo até apresentação de condutor habilitado e carteira de habilitação.
Por sua vez, a fiscalização do índice sanguíneo de alcoolemia presta-se à produção de prova tendente, no processo administrativo e no processo penal, a demonstrar que o condutor em questão conduzia veículo automotor em via pública sob influência de álcool (no ilícito administrativo) ou com concentração de álcool no sangue igual ou superior a seis decigramas (no ilícito penal).
Então, induvidoso que a Legislação aqui analisada impõe, sim, o dever do condutor de submeter-se ao exame de alcoolemia, porque se não o fizer sofrerá sanções administrativas gravíssimas, como se já considerado culpado administrativamente por dirigir embriagado. Com efeito, conforme o §3º do art. 277, c/c art.165 do CTB, com a nova redação que lhe deu a Lei 11.705/08, em caso de recusa o condutor sofrerá multa e suspensão do direito de dirigir, além de retenção do veículo.E, em se submetendo ao exame do etilômetro ou mecanismo análogo (análise sanguínea ou de urina), o qual lhe é imposto como já visto, estará evidentemente produzindo prova que poderá prejudicá-lo, tanto administrativamente quanto do ponto de vista processual penal, vez que o art. 306 do CTB, diante de sua novel redação, criou elementar do tipo, consistente na criação de um índice mínimo de dosagem de álcool no sangue.
Assim, o novo tipo penal difere de seu antecessor, descrito no revogado art. 306 do mesmo diploma, e que exigia que o condutor embriagado gerasse perigo concreto de dano, silenciando acerca da dosagem de concentração etílica no sangue.
[...]
É certo que o trânsito mata no Brasil mais que muitas guerras, mas não será suprimindo garantias fundamentais e fazendo da Constituição Federal letra morta que se irá resolver o problema que é muito mais cultural do que Penal. Aliás, o Direito Penal é a ultima ratio, a última resposta a ser dada aos problemas sociais, somente aplicável quando outros ramos do Direito ou de outras ciências, como a Sociologia e a Política, não tenham tido sucesso.
[...]
Eis que é surgido um novo período de caça às bruxas. Desta feita, o problema de tráfego viário brasileiro serve como âncora para a supressão de direitos e garantias constitucionais, inclusive ferindo de morte não somente o princípio da não auto-incriminação, como também os princípios da adequação, da necessidade e da proporcionalidade.
[...]
Está certo. É um anseio social que todos vivam em paz e sem sangue. O trânsito mata e bêbados ao volante contribuem para o morticínio. Mas que paz social é esta, somente alcançada pela ilegalidade, pela castração de direitos e garantias individuais e pela subversão da ordem jurídico-penal?
[...]
DO EXPOSTO, e diante de tudo mais que dos autos consta, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO INICIAL, em sua íntegra. Assim o fazendo, CONCEDO A ORDEM DE HABEAS CORPUS para conceder no mérito ordem de salvo conduto ao paciente para que, caso se negue a submeter ao exame de alcoolemia conhecido como “bafômetro”, ou qualquer outro análogo, não seja obrigado, por este fato, a comparecer a repartição policial (algemado ou não), não sendo por isto lavrada multa ou imposta penalidade administrativa de qualquer natureza simplesmente por recusar-se à realização do exame, igualmente vedando por este específico motivo a retenção ou apreensão do veículo que eventualmente conduza.
Ao ensejo, DECLARO A INCONSTITUCIONALIDADE do §3º do art.277 e do art. 306, ambos do CTB, com a nova redação imposta pela Lei 11.705/08, fazendo-o via da exceção e através do controle difuso de constitucionalidade, doravante não podendo referidos dispositivos ser invocados ou aplicados entre as partes, dada sua afronta à Lei Maior, a Constituição Federal."
Renato Zouain Zuppo, sentença proferida aos 23 de outubro de 2008 nos autos do processo n. 0040.08.078402-4, habeas corpus, Comarca de Araxá, MG. 



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