domingo, 6 de novembro de 2011

"Da força da grana que ergue e destrói coisas belas"


Assisti na semana passada pela televisão, entre escandalizado e consternado, à transmissão ao vivo da implosão controlada e quase simultânea de dois prédios situados no Setor Hoteleiro Sul de Brasília, DF, em operação anunciada como mais uma entre as preparatórias para a realização da Copa do Mundo de futebol em 2014.



Em cerca de 5 segundos foram ao chão edifícios de cerca de 15 pavimentos que abrigavam dois dos mais antigos hotéis da Capital federal, um deles o já decadente — mas, a seu modo, harmonioso e elegante — Hotel das Nações, e outro o não menos belo Hotel Alvorada, que identifico como genuínas expressões da arquitetura modernista, tal como veio a constituir nota marcante e elemento indissociável da própria identidade daquela majestosa cidade, há meio século radicada no inóspito Planalto Central. 


Em minhas lembranças de hóspede eventual do Hotel das Nações, antes mesmo de me tornar morador de Brasília, consta uma simples mas imponente construção erguida às margens do Eixo Monumental, tingida de azul celeste, de linhas retas e limpas, com uma charmosa pérgula à entrada e um confortável pé-direito no átrio interno.


A infra-estrutura do prédio há tempos se encontrava, sem dúvida, extremamente defasada em relação aos padrões da hotelaria contemporânea e mesmo aos conceitos arquitetônicos hoje em voga. 


Mas não haveria reforma ou reestruturação que lhe pudesse promover a necessária adequação e atualização? Não seria possível a construção de um ou mais anexos, preservando-se a edificação principal?


Não, definitivamente não, aos olhos do capital terceiro-mundista que não conhece o mais ínfimo respeito à cultura, à história e à memória  de que a arquitetura, saliente-se, constitui uma dimensão inequívoca e altamente expressiva nos espaços urbanos. Mais em conta que restaurar e adaptar fica, sem dúvida, derrubar sumariamente o que existe para em seguida erguer, nos vagos remanescentes, arranha-céus inteiramente novos e reluzentes.


O Poder Público  a quem compete velar pelo patrimônio urbanístico, cumprindo e fazendo cumprir diretrizes de conservação e preservação —, por sua vez, é não só cúmplice da sanha arrasadora do poder econômico como, outrossim, costuma patrocinar ele próprio ações de idêntico jaez.   


Há pouco, também em Brasília, na mesma corrente das famigeradas 'obras para a Copa do Mundo', imolou-se o pequeno e garboso estádio Mané Garrincha, cujo desenho consistia em um primor de leveza traduzida em concreto, a fim de dar lugar a u'a modernosa arena esportiva. 


Naquela como nesta oportunidade, pareceu tanto mais conveniente aos detentores do poder político quanto atraente para os agentes econômicos substituir, simples e grosseiramente, o antigo pelo novo, em vez de buscar promover o diálogo e a conciliação entre tais elementos no cenário arquitetônico da cidade.


E isso, afinal, não tem nada de novo. Ou, se novidade há, esta se limita ao inédito estímulo suplementar e ao singular pretexto adicional de auferir-se os dividendos políticos e econômicos resultantes da realização, em correspondência a um ruidoso afã coletivo, de um evento esportivo de predileção nacional e repercussão mundial. 


Mas o que se vê em Brasília corresponde, em escala reduzida, ao que vem acontecendo de forma mais ou menos silenciosa nestas franjas da civilização desde pelo menos a quadra do pós-guerra: em nome de pretensas conquistas da modernização, lança-se ao chão a cultura, a história e a memória das cidades.








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