segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

A vasta tipologia dos 'bandidos togados'



Para princípio de conversa com as incorrigíveis pollyanas, admitamos que não haja corrupção generalizada e instucionalizada no Poder Judiciário brasileiro, contrariando o que tenho à exaustão repetido ao longo dos últimos anos.


Presumamos que as decisões dos tribunais sejam estritamente baseadas na boa técnica jurídica e orientadas pela missão de realizar a justiça, em vez de hauridas por meio dos lobbies exercidos pelos mais diversos agentes do poder econômico, ao qual o Judiciário se encontra, segundo tenho asseverado, inexoravelmente vergado.


Imaginemos que a renhida resistência dos próceres do Judiciário — entre eles o próprio presidente do Supremo Tribunal Federal - STF, Cezar Peluso — aos controles exercidos pela sociedade derivem apenas da arraigada crença no prevalecimento de valores, princípios e regras legais e constitucionais, que lhes assegurariam uma quase imunidade ao controle previsto na própria Constitução da República, e não do fundado temor de que o permanente e cabal exercício do controle exporia as vísceras putrefatas do sistema que comandam, que inclui desde uma miríade de vantagens irregulares concedidas a mancheias aos magistrados até o pura e simples comércio de decisões, como sói acontecer nos tribunais País afora.


Reconheçamos, sem maior esforço, que a rotina de um juiz, nomeadamente nos patamares iniciais da carreira, é duríssima, de ordinário em lida com um fatigante volume de trabalho, e costuma exigir um sem-número de sacrifícios pessoais, que vão desde constantes mudanças de domicílio a severas restrições na vida social.


Ainda que adotados todos esses pressupostos, nada disso explica, justifica ou faz toleráveis, porém — como devem perceber e reconhecer mesmo as mais empedernidas pollyanas —, recentes e escandalosos episódios protagonizados por integrantes dos mais altos escalões do Judiciário, tais como:


  • a indecorosa viagem de José Antonio Toffoli a uma ilha paradisíaca na região do Mediterrâneo, a expensas de conhecido advogado que atua perante o STF;  
  • a obcena proposta do recém-empossado presidente do TJSP, Ivan Sartori, de ampliação para sessenta dias das férias funcionais dos magistrados, ao argumento de que a medida serviria a preservar a "sanidade mental do juiz", como se igualmente desgastante e exigente não fosse a atividade laboral de incontáveis categorias profissionais outras, dentro do serviço público e fora dele;
  • a artificial e falaciosa construção de Marco Aurélio Mello, avessa ao sentido e ao espírito da Constituição, e ainda sem qualquer premência que a justificasse como medida de urgência, para aniquilar ou enfraquecer os indispensáveis poderes correicionais do Conselho Nacional de Justiça - CNJ; 
  • a suspeitíssima concessão, por Ricardo Lewandowski, na calada da noite e em situação de flagrante conflito de interesses, de liminar para obstar investigação do CNJ a respeito de atos do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que beneficiavam, entre outros, a ele próprio, o então desembargador Lewandowski.


Daí porque assiste razão àqueles que fazem reverberar copiosamente a célebre expressão cunhada por Eliana Calmon, corregedora do CNJ, que envolve a peremptória afirmação da existência de 'bandidos de toga'.


Bandidos togados não se devem considerar apenas aqueles que, flagrados com as mãos metidas no butim da corrupção, são, quando muito, mandados para casa a fim de desfrutar de uma precoce aposentadoria, não raro com vencimentos integrais, como se isso pudesse constituir verdadeira punição para esse tipo de gravíssimo desvio funcional cometido por um agente público.


Tenham-se também por igualmente bandidos, cara Pollyana, aqueles que buscam manter ou ampliar regalias e privilégios injustificáveis em favor de si mesmos, a ponto de representar autêntico escárnio ante à coletividade; aqueles que desejam se subtrair ao controle da sociedade, por via de expedientes tão marotos e falazes quando indecentes e juridicamente insustentáveis; e, por fim, naturalmente, aqueles que auferem ou permitem que se aufiram ganhos e vantagens indevidos ou questionáveis, no mais das vezes de forma indireta ou escamoteada, do Estado e de particulares sujeitos aos efeitos de suas decisões, bem ainda aqueles outros que se esforçam para acobertar ou dar guarida a tais reprováveis comportamentos.


Todos esses tipos compõem, em igual medida, a casta de 'bandidos togados' que, em uma sociedade constiuída ao modo da civitas maxima, já há muito se encontrariam extirpados do seio do Estado e, como meliantes de qualquer categoria, devidamente banidos do convívio social.






2 comentários:

  1. Braga, para que servem as denúncias?
    A indignação em cérebro mole tanto bate até que fura. É este o seu intuito? É este o intuito do grupo anti-corrupção....indignar até que não haja condições de ação?
    Neurociência deve explicar isto.
    Porque eu não entendo...se está tudo aí, com provas, por que não se abre um inquérito e um processo?
    Tipo: WE THE PEOPLE....?

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    1. Receio não ter compreendido bem o real sentido do comentário antecedente, do leitor 'Anônimo'. Não sei se questiona a procedência do que afirmo ou se me acusa de inércia em relação a tudo o que aponto, ou ainda de inócuas as linhas que escrevo.

      De qualquer modo, os fatos aí estão, muitos dos
      quais absolutamente incontestes. Variam a interpretação de seu significado e o grau de
      tolerância a eles, conforme quem os submeta à análise ou as circunstâncias em que essa análise se produza, nem sempre isenta, de qualquer modo.

      Ao contrário do que o leitor sugere, porém, não se trata de produzir aqui simples manifestação gratuita e vazia de indignação, como sói acontecer nos movimentos sociais contra a corrupção, mas de apontar os fatos, analisá-los segundo as perspectivas que deles adoto e aplicar-lhes, sobretudo, o juízo crítico, tão escasso nos tempos que correm.

      Por que "não se abre um inquérito ou processo"? Bem, essa é uma pergunta que não deve a mim ser dirigida. As instituições estão aí, aptas a funcionar, se funcionassem.

      Meu papel não é esse, não tenho essa pretensão e não me daria ao trabalho de empreender uma cruzada pessoal, provavelmente condenada de antemão ao malogro, contra tudo o que condeno nos meus escritos.

      Na condição de alguém que se dedica precipuamente aos ofícios do intelecto, minha arma é a pena. Unicamente ela. E aqui, no Blog do Braga da Rocha, a pena cumpre o seu papel de registrar fatos, analisar atos, expor idéias, apontar possíveis soluções.

      Não mais que isso. E a quem interessar possa.

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